A IMPLEMENTAÇÃO DA CLÁUSULA DE BARREIRA NO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO

Um dos temas mais comentados destas eleições 2018 foi a implementação da emblemática da cláusula de barreira constitucional, também conhecida como patamar eleitoral ou cláusula de desempenho partidário. A regra foi inserida na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional nº 97/2017 e passou a valer este ano, de maneira progressiva.
Este mecanismo tem como por objetivo restringir ou impedir a atuação e funcionamento de partidos políticos que durante as eleições não alcançarem a porcentagem mínima determinada para ingressar ao Congresso Nacional. Sua criação tem por objetivo diminuir a representação dos chamados partidos pequenos (ou partidos-nanicos), forçando-os a coligar-se com outros[1].
O instituto foi inspirado no direito alemão, o qual possui grande influência nas normas brasileiras de cunho eleitoral. A disposição está presente no artigo 6º, parágrafo 6º, da Lei Federal de Regime Eleitoral da Alemanha[2].
No Brasil, para que o partido possa ultrapassar a cláusula de barreira nas eleições de 2018, é necessário exigido obter ao menos 1,5% dos votos válidos para na eleição para a Câmara dos Deputados, sendo esta porcentagem distribuída em no mínimo um terço das unidades federativas, com 1% de votos válidos em cada uma delas; ou, deve-se eleger no mínimo 9 deputados, com origem de um terço das unidades federativas, pelo menos[3].
Para as eleições de 2022, o desempenho se modificará progressivamente, de modo que o partido deverá obter ao menos 2% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos um terço da federação, com pelo menos 1% em cada uma; ou, eleger no mínimo 11 deputados, originários de um terço das unidades da federação.
Nas eleições de 2026, o percentual da Câmara deve aumentar para 2,5%, ou 13 deputados eleitos, estabilizando-se a partir de 2030, quando os partidos deverão obter pelo menos 3% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados ou eleger no mínimo 15 deputados.
Os parágrafo terceiro e quinto do artigo 17 da Constituição Federal de 1988, incluídos pela Emenda Constitucional supracitada, cita como consequências ao partido que não alcançar os requisitos impostos pela cláusula de barreira: 1) a perda do direito a recursos do fundo partidário, 2) o impedimento de acesso gratuito ao rádio e à televisão, e 3) a perda de estrutura própria e funcional nas casas do Congresso. Mesmo assim, será assegurado o mandato vigente do partido e facultada filiação do parlamentar eleito, sem perda do mandato, a outro partido que tenha atingido os requisitos mínimos impostos pela barreira, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão.
Apesar da resistência de alguns, este assunto não é novidade para o direito eleitoral brasileiro, visto que já tramitam propostas nesse sentido desde 1950, ano do surgimento do Código Eleitoral. Na Constituição Federal de 1967, o instituto também fez-se presente no artigo 149, VIII, sendo editado por Emendas Constitucionais de 1969, 1978 e 1985. O instituto, no entanto, não foi incluído no texto original da Constituição Federal de 1988[4].
Uma nova tentativa de imposição da cláusula de barreira datada de 1995, que propunha início de vigência a partir das eleições de 2006, foi frustrada por Ação Direta de Inconstitucionalidade promovida pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), apoiado por outros partidos. A proposta, bem mais rígida que a atual, foi barrada por unanimidade pelo STF, sob argumento que a cláusula prejudicaria os “partidos-nanicos”.
Nesse sentido, vale destacar que a maior diferença entre a PEC de 1995 e a Emenda Constitucional nº 97/2017 é o fato de que os parlamentares de partidos barrados ainda poderão exercer seu mandato normalmente (ao contrário da primeira), apesar de ter que lidar com as limitações partidárias que poderão afetá-los diretamente, bem como a seus partidos[5].
Em países como Espanha, Noruega, Suécia, Polônia e grande parte dos países da Europa que adotam o sistema da cláusula de barreira, o percentual definido varia entre 3 a 4% dos votos válidos. Na Nova Zelândia a imposição mínima é de 5% e na Dinamarca, 2%. A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa aconselha que a porcentagem imposta pela cláusula de barreira não ultrapasse 3% (estando o Brasil dentro deste limite). Na Turquia, porém, afim de evitar-se partidos extremistas, definiu-se a barreira em 10% de votos válidos.[6]
No Brasil, após a eleição de 2018, 14 dos 35 partidos inscritos regularmente no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não estão de acordo com as exigências de tal diretriz. Estes, a partir das eleições para vereadores no ano de 2020, já sofrerão as consequências impostas pela Emenda Constitucional nº 97/2017.
O orçamento da União para o fundo partidário em 2018 foi de R$ 888,7 milhões para ser dividido entre 35 partidos. Com a cláusula de desempenho eleitoral, a partir das próximas eleições, o fundo partidário entregue será dividido entre apenas 21 partidos, bem como o tempo de propaganda de rádio e televisão.
Os partidos podem também optar pela fusão entre outros para atingir as cláusulas de desempenho eleitoral. “A cláusula de desempenho foi pensada com esse objetivo” (de reorganização partidária), declarou o ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes[7].
De outro lado, como ponto negativo do dispositivo, conforme entendimento de Pedro Fassoni Arruda, professor de ciências política da PUC-SP, a possível extinção de partidos políticos, por menor que sejam, “acabaria favorecendo justamente os grandes partidos e dificultando não só a atuação dos pequenos, mas o surgimento de novas legendas que possam oxigenar o debate”. Segundo o professor, existem outras formas de resolver o problema, como dificultar migração de partidos durante mandatos.
Os pontos positivos, entretanto, se destacam em relação aos negativos. A atual conjuntura do país dispõe de uma grande inflação de número de partidos, totalizando 35. Entende-se que é viável incentivar partidos pequenos se unirem à outros, pois isso fortaleceria o debate de questões a serem aprovadas no Congresso Nacional, aumentando a governabilidade.
Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências defende que “a legislação atual é muito permissiva e gera incentivos perversos para a criação de novas legendas”, portanto, havendo a cláusula de barreiras, pode-se controlar melhor a distribuição de recursos públicos aos partidos (fundo partidário e tempo de propaganda eleitoral em rádio e televisão)[8].
O professor de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília), David Fleischer, afirma que esta cláusula, além de tudo, harmonizará o diálogo entre os poderes Executivos e Legislativos. “O argumento de que daria melhores condições de governabilidade ao governo é válido, porque com 28 partidos no Congresso a governabilidade é bastante afetada. Com sete, oito, nove partidos, isso seria melhor. Menos partidos, mais governabilidade”.
Também é possível crer que haveria diminuição do risco de corrupção, visto que quanto menor o número de partidos, menor a necessidade de “comprar votos” para decisões em votações no Parlamento.[9]
Por fim, só será possível afirmar com certeza as consequências da imposição da cláusula de barreira a partir do ano de 2019, mas, de modo geral, conclui-se que as projeções são boas e favoráveis para um melhor aproveitamento do Congresso Nacional, bem como na resolução de problemas de inflação partidária.
[1] POLTIZE!. O que é cláusula de barreira?. Disponível em: <https://www.politize.com.br/clausula-de-barreira-o-que-e/>. Acesso em: 09 de out. 2018.
[2] TRE-SC. A questão da cláusula de barreira dentro do sistema partidário brasileiro. Disponível em: <http://www.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/revista-tecnica/edicoes-impressas/integra/2012/06/a-questao-da-clausula-de-barreira-dentro-do-sistema-partidario-brasileiro/index33e8.html?no_cache=1&cHash=ad190db002b247128ac8f5be6670afbe>. Acesso em: 10 de out. 2018.
[3] G1.COM. 14 partidos devem cair na cláusula de barreira e ficar sem fundo partidário e tempo de TV. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/10/09/14-partidos-devem-ser-enquadrados-na-clausula-de-barreira-e-ficar-sem-fundo-partidario-e-tempo-de-tv.ghtml>. Acesso em: 09 de out. de 2018.
[4] INFOESCOLA. Cláusula de barreira. Disponível em: <https://www.infoescola.com/direito/clausula-de-barreira/>. Acesso em 10 de out. de 2018.
[5] POLTIZE!. O que é cláusula de barreira?. Disponível em:<https://www.politize.com.br/clausula-de-barreira-o-que-e/>. Acesso em: 10 de out. 2018.
[6] CRUZ, Manuel Braga da. Política Compara. Portugal, 2015. Livro Digital.
[7] G1.COM. 14 partidos devem cair na cláusula de barreira e ficar sem fundo partidário e tempo de TV. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/10/09/14-partidos-devem-ser-enquadrados-na-clausula-de-barreira-e-ficar-sem-fundo-partidario-e-tempo-de-tv.ghtml>. Acesso em: 09 de out. de 2018.
[8] BBC NEWS. Cláusula de barreira: entenda os prós e contras de mudança eleitoral que complica vida de nanicos. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-41180849>. Acesso em 15 de out. de 2018.
[9] G1.COM. Cláusula de barreira restringiria ação de 14 partidos se já estivesse em vigor. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/09/clausula-de-barreira-restringiria-acao-de-14-partidos-se-ja-estivesse-em-vigor.html>. Acesso em 15 de out. 2018.