USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL
A usucapião é um modo de aquisição originária da propriedade e/ou de qualquer direito real que se dá pela posse prolongada da coisa, de acordo com os requisitos legais, sendo também denominada de prescrição aquisitiva. Em outras palavras: “o possuidor que utiliza o bem como se fosse seu, dando um destino social a propriedade, beneficia-se em relação a quem permaneceu inerte e nada fez com a sua propriedade.”[1]
Exercendo a posse mansa e pacífica, prolongada e ininterrupta pelos prazos fixados pela legislação vigente têm-se a possibilidade de adquirir a propriedade, matéria esta regulada pelos artigos 1.238 e seguintes do Código Civil.
Antes da vigência do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), este tipo de requerimento só poderia ser feito pela via judicial, de modo, mas a grande novidade é que já é possível fazer este pedido extrajudicialmente, ou seja, sem precisar movimentar o Judiciário.
A fim de diminuir as ações judiciais e tornar o procedimento mais célere, o fenômeno da “desjudicialização” foi uma grande inovação trazida pelo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 18 de março de 2016. Nesta esteira, entende-se “desjudicialização” como sendo “o deslocamento de algumas atividades que antes eram atribuídas ao Poder Judiciário e, portanto, previstas em lei como de sua exclusiva competência, para o âmbito das serventias extrajudiciais”[2].
Vale destacar que, de acordo com o Código Civil, existem inúmeras espécies de usucapião, quais sejam a usucapião ordinária urbana (art.1.242), ordinária rural, familiar (Art. 1240-A), especial urbana (Art.183 da Constituição Federal) e a coletiva (art. 10 da Lei 10257/01).
Pois bem. Passando este breve resumo, a previsão inovadora da Usucapião Extrajudicial está prevista no artigo 1.071 do Código de Processo Civil, que adicionou o artigo 216-A a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73).
Este dispositivo legal prevê que ao possuidor (pessoa física ou jurídica) que preencher os requisitos da usucapião e os dispositivos do artigo 216-A da Lei de Registros Públicos, será admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, sendo processado diretamente perante o Cartório do Registro de Imóveis da Comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo. Mesmo assim, vale destacar que requerendo deve estar representado por advogado.
Importante ressaltar também, que a usucapião extrajudicial não é uma das modalidades de usucapião, mas sim uma forma de requerê-lo, devendo o possuidor identificar sobre qual das modalidades seu direito de enquadra (usucapião extraordinário, ordinário ou especial)[3].
Os documentos necessários previstos no art. 216-A da Lei de Registros Públicos que devem instruir o citado requerimento são:
I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;
II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;
III - certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;
IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.
A respeito do justo título cabe aqui fazer uma ressalva, prevista no parágrafo 15, do artigo supracitado, incluído pela Lei nº 13.465, de 2017, que dispõe que no caso de ausência ou insuficiência dos documentos indicados no inciso IV “a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação administrativa perante a serventia extrajudicial”.
Caso ausente o justo título, é possível supri-lo por outros documentos/provas que possam ajudar a evidenciar o tempo de posse, a fim de verificar a correspondência com o conteúdo declarado e descrito na ata notarial tais como os pagamentos de IPTU, taxa de lixo, energia elétrica, água, telefonia fixa, condomínio e etc.[4]
Com relação às certidões negativas, cumpre mencionar que elas valem para comprovar a inexistência de Ações em trâmite, conforme dispõe João Pedro Lamana Paiva:
"As certidões necessárias à instrução do procedimento, de acordo com o inciso III do novo art. 216-A da LRP, devem ser expedidas pelos distribuidores da Justiça Comum e da Justiça Federal da comarca ou circunscrição judiciária da situação do imóvel e do domicílio do requerente da usucapião, em nome deste (e também do cônjuge ou companheiro, se casado ou convivente em união estável) e do proprietário do imóvel (se existir essa informação no Registro de Imóveis). Essas certidões deverão comprovar a inexistência de ação tramitando com referência ao imóvel usucapiendo (ações de usucapião, possessórias, de desapropriação, etc.) bem como em relação às pessoas referidas (ações de inventário e partilha, falência, etc.). (grifo meu)"
Com a apresentação dos documentos acima listados, caberá ao Oficial do Cartório de Registro de Imóveis, com base no artigo 216-A, §3º e 4º da LRP, proceder à intimação dos confinantes, dos titulares de domínio, de terceiros interessados, assim como dos entes públicos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)[5], sendo dispensada intervenção do Ministério Público ou homologação judicial.
Outro ponto importante a ser observado, é que o artigo 1.071 do CPC sustentava o seguinte: “o silêncio dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos confinantes importaria em discordância com o procedimento.”
Tal afirmação não fazia sentido, até porque o procedimento deve ser pacífico no sentido de que qualquer oposição expressa de qualquer pessoa que possua direitos averbados na matrícula do imóvel ou mesmo dos confinantes poderá impedir a usucapião administrativa (a oposição dos órgãos fazendários também impede a concessão administrativa da medida).[6]
Por isso, veio a Lei 13.465/2017 e alterou o art. 1.071 (que faz menção ao art. 216-A §2º) para constar que “o silêncio das partes envolvidas no procedimento de usucapião extrajudicial será interpretado como concordância”.[7]
Outrossim, importante registrar que a rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação própria de usucapião (Artigo 216-A, §9º da LRP).
Para finalizar, podemos concluir que a Usucapião Extrajudicial não é uma modalidade de usucapião, mas sim um procedimento opcional, mais célere e menos custoso, sendo necessário estar representado por advogado, dispensando a intervenção do Ministério Público ou homologação judicial, de sorte que, conforme relatado, o artigo 216-A do CPC elenca os documentos necessários para instruir tal pedido, além do mesmo não impedir, porventura, o ajuizamento eventual de uma ação de usucapião.
[1] JUSBRASIL. Usucapião extraordinária, ordinária e especial. Disponível em: <https://jhfrota.jusbrasil.com.br/noticias/248766331/usucapiao-extraordinaria-ordinaria-e-especial>. Acesso em: 22 out. 2018.
[2] JURÍDICOCERTO. O fenômeno da desjudicialização advindo do novo cpc/15 e sua atuação no auxílio da desobstrução e celeridade do judiciário. Disponível em: <https://juridicocerto.com/p/miguelbarbosa/artigos/o-fenomeno-da-desjudicializacao-advindo-do-novo-cpc-15-e-sua-atuacao-no-auxilio-da-desobstrucao-e-celeridade-do-judiciario-4076>. Acesso em: 18 out. 2018.
[3] PHMP. Usucapião extrajudicial como uma das formas de desjudicialização dos processos. Disponível em: <https://phmp.com.br/artigos/usucapiao-extrajudicial-como-uma-das-formas-de-desjudicializacao-dos-processos/>. Acesso em: 22 out. 2018.
[4] JOÃO PEDRO LAMANA PAIVA. O procedimento da usucapião extrajudicial. Disponível em: <http://registrodeimoveis1zona.com.br/wp-content/uploads/2016/07/o-procedimento-da-usucapião-ext.pdf>. Acesso em: 22 out. 2018.
[5] JOÃO PEDRO LAMANA PAIVA. O procedimento da usucapião extrajudicial. Disponível em: <http://registrodeimoveis1zona.com.br/wp-content/uploads/2016/07/o-procedimento-da-usucapião-ext.pdf>. Acesso em: 22 out. 2018.
[6] JUSBRASIL. A usucapião extrajudicial no novo cpc atualizado pela lei 13.465/2017. Disponível em: <https://jucineiaprussak.jusbrasil.com.br/noticias/519671470/a-usucapiao-extrajudicial-no-novo-cpc-atualizado-pela-lei-13465-2017>. Acesso em: 22 out. 2018.
[7] AMODIREITO. Lei 13.465/2017: mudanças do usucapião extrajudicial no novo código de processo civil. Disponível em: <https://www.amodireito.com.br/2017/08/lei-134652017-mudancas-no-usucapiao-extrajudicial-no-novo-codigo-de-processo-civil.html>. Acesso em: 30 out. 2018.