A PEC 42/2019 e a insistência do Brasil no aumento de arrecadação tributária
O “Trade and Statistics Outlook”[1], relatório produzido anualmente pela Organização Mundial do Comércio (OMC), apontou que o Brasil representa uma fatia importante no volume global de comercialização de commodities e, por isso, vem ampliando seu percentual de participação nas exportações mundiais. O comércio internacional desses produtos é parte importante da economia nacional.
Atualmente, as exportações de produtos primários e semielaborados representam mais da metade da pauta do país e justamente com o intuito de incentivar esse crescimento, a Lei Complementar n.º 87/1996 (Lei Kandir) e, posteriormente, a Emenda Constitucional n.º 42/2003, afastou a tributação do ICMS na sua exportação.
A normativa atual segue a regra mundial de não exportação de tributos, cabendo ao país de destino da mercadoria aplicar a mesma carga tributária para o similar nacional concorrencial. Desde o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), firmado internacionalmente pelo Brasil em 1947, a tributação no país importador foi idealizada para permitir a retomada do comércio internacional após a Segunda Guerra Mundial, devendo permanecer assim para incentivo do crescimento das cadeias globais de valor. Embora o Brasil seja membro fundador deste acordo, as alterações normativas nesse sentido só foram adequadas anos depois.
Essa imunidade tributária, entretanto, pode estar ameaçada pela recente Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 42/2019 que pretende, de forma indiscriminada, revogá-la. Atualmente, a PEC tramita no Senado e está sendo avaliada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, com relatoria atual do senador Veneziano Vital do Rêgo.
A medida, que pretende alterar o disposto no art. 155, inciso X, alínea “a”, da Constituição Federal, é temerária e vai contra o consenso global, prejudicando o exportador, que poderá passar a competir em situação de desigualdade com o resto do mundo. Por essa razão, a consulta pública sobre a proposta segue com desaprovação de dois terços dos que opinaram sobre a matéria[2].
Apesar da pressão dos Estados membros para a aprovação da proposta, entende-se que a tributação das exportações é medida punitiva que recai sobre quem produz e não deve ser considerada como solução para os problemas vivenciados pela recorrente crise federativa, podendo ser “a pior alternativa para tentar sanar o colapso das finanças estaduais e municipais”[3], afinal, essa prática vigorou até o advento da Lei Kandir e já se mostrou ineficaz.
Vale mencionar também que o Brasil firmou pacto pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) com o compromisso de dobrar a produtividade agrícola e a renda dos pequenos produtores de alimentos, se propondo a corrigir e prevenir, sobretudo, as restrições ao comércio e distorções nos mercados agrícolas mundiais perante a Organização das Nações Unidas. A medida proposta pela PEC, entretanto, certamente dificultará a tarefa.
Caso prosperem os acordos de livre comércio firmados pelo Mercosul com a União Europeia e também com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), o ingresso de mercadorias no país ocorrerá sem barreiras de qualquer natureza. Logo, seria um contrassenso facilitar as importações e dificultar nossas exportações[4].
A cobrança de ICMS nas exportações de minerais primários ou semielaborados prejudica um setor responsável por cerca de 5% do PIB nacional, além de contrariar o princípio mundialmente aceito de não exportação de tributos. Ademais, não será pelo aumento de tributação das exportações de produtos primários que o Brasil incentivará a exportação de produtos com maior valor agregado, mas sim por meio da desoneração tributária da atividade produtiva.
Segundo parecer da IBRAM sobre PEC semelhante[5], o aumento de carga tributária proposto pode ter consequências negativas para a economia brasileira, impedindo novos investimentos nacionais e estrangeiros, desestimulando a criação de novos empregos e, principalmente, reduzindo a competitividade dos produtos primários e semielaborados brasileiros, dificultando sua comercialização global.
Diante dessa análise, é de se verificar que tributar as exportações não contraria somente a vontade constitucional, mas também os tratados internacionais firmados pelo país, onerando ainda mais o produtor nacional. Além disso, como impacto indireto, a PEC poderá causar redução das exportações, desequilíbrio na balança comercial e consequentes danos sociais e econômicos. Se aprovada, é bem provável que o efeito econômico esperado pela medida será diametralmente oposto ao desejado pelos Estados, agravando ainda mais a crise federativa.
[1] Disponível em: <https://www.wto.org/english/news_e/pres17_e/pr791_e.htm>. Acesso em: 03.out.2019.
[2] Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/136165>. Acesso em: 03.out.2019.
[3] Relatório IBRAM. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdeic/apresentacoes-e-arquivos-audiencias-e-seminarios/IBRAM160512.doc>. Acesso em: 03.out.2019.
[4] Vide VALOR ECONOMICO. Disponível em: <https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-meada/post/2019/10/a-imunidade-do-icms-nas-exportacoes-de-produtos-primarios-e-semielaborados.ghtml>. Acesso em: 03.out.2019.
[5] Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdeic/apresentacoes-e-arquivos-audiencias-e-seminarios/IBRAM160512.doc>. Acesso em: 03.out.2019.