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AS RELAÇÕES JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO NO PERÍODO DA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS (COVID-19)


No final de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde anunciou o primeiro caso de pessoa contaminada com o novo coronavírus no país, fato já esperado pelo ex-Ministro Luiz Henrique Mandetta. Desde então, o vírus se propagou de forma extremamente acelerada, chegando a todos os estados da federação e o Distrito Federal, forçando as autoridades públicas a tomarem medidas drásticas para frear a disseminação do COVID-19 e mitigar consequências que excedem o âmbito da saúde que este vem a gerar, originando assim, o Decreto-Lei n.º 6, de 2020, com vigor desde de 20 de março de 2020, que versa sobre a ocorrência de estado de calamidade pública em todo Brasil.


A economia já está sendo atingida por este cenário, visto que, diante da necessidade de medidas drásticas para a conter a propagação do vírus, todos os estados brasileiros estão tomando como iniciativa o isolamento social. Nesse contexto, o Brasil promulgou a Lei n.º 13.979/2020, dispondo sobre medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, decorrente do novo Coronavírus (Covid-19). O Estado de São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, bem como os demais estados da federação, através de decretos estaduais n.º 64.881/2020; n.o 46.970/20 (acrescido pelo 47.027/20); e 40.520/20 (revogado pelo decreto n.o 40.583/20), respectivamente, estabeleceram medidas de quarentena em toda extensão de seus territórios, restringindo atividades que possam gerar aglomerações, determinando, por exemplo, o fechamento de shoppings centers, cinemas, teatros, restaurantes, sendo exceção a esta regra apenas estabelecimento cuja atividades são caracterizadas como essenciais – definidos através do Decreto-Lei n.º 10.282/2020, em seu artigo 3º . Tais medidas, sem dúvida, impactarão fortemente as relações contratuais.


Diante do pacta sunt servanda, os contratos, via de regra, têm força obrigatória. Nesta linha, contratos e obrigações que as partes que voluntariamente assumiram devem ser respeitadas e cumpridas de forma integral. Porém, em face do cenário atual, esta máxima deve ser relativizada, conforme dispõe o artigo 317 do Código Civil, quando traz a teoria da imprevisão.


Nesses termos, pode-se destacar, que o artigo 421, do mesmo Código, que versa sobre a liberdade contratual, dispõe que esta será exercida nos limites da função social do contrato. Não obstante, a Lei n.º 13.879/19 – da Liberdade Econômica – acrescentou o parágrafo único a este artigo, estabelecendo que nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.


No estado de calamidade pública decretado pelo Presidente da República em âmbito nacional, por conta da pandemia que assola o mundo, fica claramente caracterizada a “excepcionalidade”, como fato comprovado através das medidas restritivas adotadas por todos os estados e municípios da federação para contenção do vírus.


O artigo 421-A, em seu inciso III, do Código Civil, também preceitua que os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até encontre-se elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais. Isso reforça que a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. Ou seja: ainda que seja demandada análise detalhada e individualizada dos contratos, a situação de calamidade pública pode sim ser caracterizada como fato imprevisível que afasta tal presunção.


Pode-se ainda relacionar à presente situação, o artigo 393, do mesmo Código, que afirma que o devedor não será responsabilizado pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Assim, é evidente que o atual cenário pandêmico internacional seria suficiente para caracterização de fato cujo efeito não é possível de evitar, bem como é também, sem dúvida, imprevisível.


Sobre o mesmo assunto, o senador do estado de Minas Gerais, Antonio Anastasia, redigiu o Projeto de Lei n.º 1.179/2020, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado no período de pandemia da COVID-19. No Projeto, preceituam-se algumas medidas que deverão ser tomadas em relação à resilição, resolução e revisão contratual.


Dispõe seu artigo 6º, que os efeitos imprevisíveis causados pelo estado de calamidade pública não terão efeitos retroativos, bem como em relação à locações de imóveis urbanos, contratos agrários, usucapião, edifícios edilícios, dentre outros assuntos.


Em linhas gerais, o referido Projeto de Lei cumpre estabelecer que: (i) os prazos prescricionais e decadenciais estão impedidos ou suspensos; (ii) os efeitos da pandemia equivalem ao caso fortuito ou de força maior, mas não se aproveitam a obrigações vencidas antes do reconhecimento da pandemia; (iii) os despejos de imóveis prediais ficam suspensos até 31 de dezembro de 2020, mas não se liberam os inquilinos de pagar os alugueis, embora se possa diferir seu adimplemento em caso de perda de renda por desemprego. Entretanto, segue possível ao locador a retomada do imóvel para uso próprio ou de seus familiares; (iv) flexibilizam-se regras de contratos agrários, mas se impede a contagem de tempo para usucapião durante a pandemia; dentre outras medidas.


Face a possibilidade de abono da multa rescisória contratual em caso de quebra unilateral do contrato, deve-se analisar cada caso e o âmbito jurídico a qual este se sujeita. No universo jurídico atual, nunca houve precedentes de uma pandemia desta magnitude, obstando a certeza sobre os rumos das ações judiciais diante desse cenário.


Acima de tudo, deverá prevalecer o princípio da boa-fé, da colaboração e da solidariedade contratual, com a finalidade de se tentar mitigar os prejuízos que poderão advir a ambas as partes do contrato.


Nunca antes no ordenamento jurídico brasileiro contemporâneo houve preliminares acerca de uma pandemia desta grandiosidade. Diante disso, cabe ao Poder Público regular, da melhor forma possível, não só a desaceleração da propagação do vírus em questão, mas também, a mitigação das consequências que extrapolam o âmbito da saúde.


Era de se esperar que no âmbito jurídico, as relações contratuais seriam seriamente afetadas, vez que estas dependem, em sua maioria, da estabilidade econômica nacional e até internacional, agora massivamente prejudicadas pelo atual cenário. Para isso, valerá a cautela para que nenhuma das partes do contrato seja mais onerada do que a outra, vez que atualmente, nos encontramos num cenário além de inédito, imprevisível.


 
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