APREENSÃO DO PASSAPORTE E CNH DO DEVEDOR - MEDIDAS ATÍPICAS PREVISTAS NO ART. 139, IV DO CPC.
Com o advento do novo CPC, medidas atípicas foram aprovadas para garantir o cumprimento de obrigações de fazer e não fazer (tutela específica), inclusive nos casos que tenham por objeto prestação pecuniária. Nesse sentido, o artigo 139, inciso IV, do Novo Código de Processo Civil[1] foi uma inovação que trouxe poderes mais amplos ao juiz, adotando um padrão de atipicidade das medidas executivas também para as obrigações de pagar, deixando uma margem maior de interpretações aos advogados que estão descobrindo novas formas de forçar os maus pagadores a quitarem suas dívidas, buscando dar maior efetividade a medida e garantindo o resultado buscado pelo exequente. Diante disso, cabe aqui fazer uma breve diferenciação entre as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais e sub-rogatórias[2].
Entende-se por medidas indutivas aquelas que buscam brindar o obrigado com uma vantagem ou incentivo frente ao efetivo cumprimento da decisão judicial. Tal medida pode ser exemplificada no artigo 827, parágrafo 1º do NCPC, que possibilita a redução de honorários advocatícios devidos pelo devedor, caso o executado por título extrajudicial pague a dívida no prazo de 3 dias.
Sobre as medidas coercitivas, podemos usar como exemplo a prisão do devedor de prestação alimentar, conforme disposto no artigo 528 do Código de Processo Civil, pois o dispositivo força que o próprio devedor satisfaça sua obrigação e, uma vez paga essa prestação, sua ordem de prisão será suspensa.
Já uma medida mandamental, poderia ser verificada na ordem para que o devedor/executado indique onde estão os seus bens passíveis de penhora, exibição de coisas ou documentos, entre outros.
Por fim, as medidas sub-rogatórias são aquelas que podem ser usadas para que o juiz promova a efetivação de sua decisão. Podemos citar como exemplo, a busca e apreensão, onde o auxiliar da justiça atua na procura do bem e o apreende para entregar a quem de direito.
Pois bem. Apesar dessas medidas estarem expressas no Novo Código de Processo Civil, além do tema constar no Enunciado 48 divulgado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) e terem sido aprovadas com cerca de 500 magistrados durante um seminário sobre o Novo CPC, algumas destas restrições de direito dos devedores, como forma de forçar o pagamento de dívidas, ainda não encontram aceitação unânime no meio jurídico.
Muitos argumentam que decisões que suspendem a carteira de motorista ou que bloqueiam o passaporte do devedor ferem direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, como por exemplo, do artigo 1º, inciso III, que garante a dignidade da pessoa humana e do artigo 5º, inciso XV, que consagra o direito de ir e vir.
Um argumento contra a apreensão da CNH seria que, caso assim fosse, o devedor poderia perder a oportunidade de conseguir um emprego ou até mesmo ser demitido se, em função de seu labor a utilização do documento fosse necessária/imprescindível, e, assim, não teria fonte de renda para constituir seu sustento e, principalmente, cumprir com a obrigação assumida. Desta feita, utilizando-se deste argumento, apreender a CNH do devedor resultaria no efeito inverso do pretendido.
Por outro lado, as decisões judiciais favoráveis ao tema sustentam que tais medidas devem ser usadas em caráter excepcional, caso se tenha esgotado todos os meios tradicionais para satisfação do débito. E, também, pode-se dizer que é utilizado para os casos em que o devedor usa da chamada “blindagem patrimonial” para se negar a pagar o que deve. Ou seja, não é para ser aplicada em qualquer caso, para qualquer tipo de dívida, apenas para aquelas em que haja circunstâncias existentes no processo que evidenciem a má-fé do devedor.
Outro argumento muito utilizado pelos magistrados, inclusive pelo juiz aposentado Olavo de Oliveira Neto, é o excesso de execuções frustradas existentes no Brasil.[3]
A juíza Andrea Ferraz Musa, entende que “toda determinação judicial coercitiva ou indutiva certamente implicará em limitações a direitos do devedor. E é exatamente essa a finalidade do artigo 139, inciso IV, do CPC.[4]
Neste sentido, poderíamos dizer então que a suspensão da CNH do devedor apenas limitaria o seu direito, pois o impede apenas de dirigir, mas não o violaria pelo fato de que existem outros meios de locomoção, como por exemplo, nas palavras da magistrada, poderia o devedor muito bem se locomover de ônibus, metrô, de UBER, de taxi, a pé, de bicicleta, etc.
Porém, enfatiza-se sempre, que é essencial observar os fatos e as provas existentes no processo e as condições particulares do devedor, pois são essas as condições que justificariam a aplicação das medidas previstas em lei.
Importante mencionar que em 11/05/2018, o Partido dos Trabalhadores – PT propôs ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, tendo por um dos objetos o artigo 139, IV, CPC, na qual a Procuradora-Geral da República Raquel Elias Ferreira Dodge sustentou que:
Nos termos do pedido, apreensão de CNH e passaporte afrontam o direito de ir e vir e a proibição de participar de certames e licitações desrespeita a liberdade de contratar e de escolher livremente a profissão. São atos, portanto, que impactam na possibilidade do devedor de exercer sua autonomia privada, princípio fundamental da Constituição. Essas medidas são mais invasivas do ponto de vista dos direitos fundamentais que aquelas que o próprio legislador fixou. Por isso, inconstitucionais. [5]
Requereu, ao final, que o juiz aplicasse de forma subsidiária e fundamentada as medidas atípicas de caráter estritamente patrimonial, excluídas as que importassem em restrição às liberdades individuais como, por exemplo: a apreensão de carteira nacional de habilitação, passaporte, suspensão do direito de dirigir, proibição de participação em certames e licitações públicas.
Em contrapartida, a Terceira Turma do STJ vem entendendo que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, da qual decorre a restrição do direito de dirigir veículo automotor, não configura ofensa direta e imediata à liberdade de locomoção do paciente. Nesse sentido: HC 411.519/SP, Terceira Turma, DJe 03/10/2017; RHC 97.876/SP, Quarta Turma, DJe 09/08/2018.[6]
Diante de toda essa repercussão, o relator do tema, Luiz Fux, quer liberar o processo para julgamento ainda este ano (2019), a fim de resolver, definitivamente, se é ou não constitucional a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ou passaporte para pressionar réus inadimplentes a regularizar os débitos. Com o julgamento do feito, os ministros irão responder, portanto, se medidas como esta ferem ou não a liberdade de ir e vir do cidadão, garantida pela Constituição ou se prevalece o direito do credor, nestas hipóteses[7].
[1] Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [.] IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniárias.
[2] MEIRELES, Edilton. Novo CPC doutrina selecionada, v.5: Execução. 2 ed. Salvador: juspodivm, 2016.
[3] BACELO, J. Devedores podem ter passaportes e carteira de habilitação apreendidos. Valor econômico, São Paulo, p. E1, 6, 7 e 8 ago. 2016.
[4] TJSP; Habeas Corpus 2183713-85.2016.8.26.0000; Relator (a): Marcos Ramos; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI - Pinheiros - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/03/2017; Data de Registro: 12/04/2017
[5] ADIn 5.941
[6] STJ, RHC 99.606/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, data do julgamento: 13/11/2018, data publicação/Fonte DJE 20/11/2018.
[7] G1. Stf deve julgar em 2019 se juiz pode apreender cnh e passaporte para forçar pagamento de dívida. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2018/12/25/stf-deve-julgar-em-2019-se-juiz-pode-apreender-cnh-e-passaporte-para-forcar-pagamento-de-divida.ghtml>. Acesso em: 11 fev. 2019.